Os países do Mercosul acompanham as eleições do próximo domingo na Venezuela, onde o presidente Hugo Chávez tenta se reeleger para um terceiro mandato, na expectativa de que o governo venezuelano dê sequência ao estilo adotado mais recentemente em sua política externa venezuelana em que prevalece o pragmatismo no lugar do polêmico discurso "revolucionário".
Na avaliação de especialistas ouvidos pela BBC Brasil, a diversidade de interesses regionais gera nos países do Mercosul expectativas mais favoráveis à continuidade de Chávez no poder do que a uma vitória de seu rival Henrique Capriles. Notícias relacionadasChávez aposta em programas sociais para tentar reeleiçãoOpositor aposenta discurso neoliberal para tentar derrotar ChávezRival de Chávez critica superávit brasileiro e promete visitar Dilma Tópicos relacionadosAmérica Latina, VenezuelaNo campo econômico, o Brasil lidera a lista dos sul-americanos interessados em que o resultado do pleito não afete seus negócios no país caribenho. Nos últimos anos, o Brasil se tornou o terceiro principal sócio comercial da Venezuela, atrás somente dos Estados Unidos e China.
Se confirmada a projeção das pesquisas que apontam Chávez como favorito, o Brasil tende a dar continuidade ao papel de "moderador" das iniciativas de Caracas, só que agora, com enfoque no campo econômico, avalia Javier Biardeau, professor de sociologia da Universidade Central da Venezuela e especialista em desenvolvimento na América Latina.
"Moderar Chávez significa garantir que o horizonte do projeto bolivariano não ultrapasse o capitalismo de Estado", diz Biardeau. Na prática, isso significa, para ele, que o projeto do "socialismo do século 21" do atual governo deve permanecer somente na retórica.
O analista avalia que a tendência é que, se obtiver mais um mandato, Chávez continue se comprometendo com as grandes empresas regionais em troca de apoio político.
"Se prevalecer o papel de moderação de Brasil e Argentina, serão as empresas e os países do Mercosul os negociadores das condições de segurança jurídica para o capital estrangeiro na Venezuela", afirma Biardeau.
Demora, mas pagaO candidato opositor Henrique Capriles criticou durante a campanha a entrada de seu país no Mercosul e a desvantagem da Venezuela na relação comercial com o Brasil.
"Queremos ir ao Brasil buscar investimentos para a Venezuela, não que o Brasil seja somente um vendedor para a Venezuela, que é a realidade de hoje", afirmou Capriles à imprensa estrangeira, em Caracas.
Os principais empresários venezuelanos apoiam a coalizão opositora e veem com preocupação a livre competição com produtos brasileiros e argentinos.
De olho nas mudanças que uma eventual vitória de Capriles poderia trazer, a Câmara de Comércio e Indústria Venezuelana-Brasileira (Cavenbra) admite que seus sócios vêem com simpatia um novo mandato de Chávez.
"Temos mais de 90 empresários brasileiros querendo vir à Venezuela fazer negócios", afirmou à BBC Brasil o diretor-executivo da Cavenbra, Fernando Portela.
A aposta dos investidores é que, com a entrada do país ao Mercosul, haverá mais segurança jurídica nas negociações com o governo. Nos bastidores, os brasileiros comentam que Chávez "demora, mas paga".
Para Portela, em uma eventual vitória da coalizão opositora, a pauta comercial venezuelana tende a migrar aos antigos parceiros do "norte", invertendo a lógica aplicada por Chávez nos últimos anos de reduzir a dependência comercial com os Estados Unidos.
"(Com Capriles) o Brasil pode perder a médio prazo maior participação nesse comércio", afirma o diretor da Cavenbra.
Empreiteirasrasil tende a dar continuidade ao papel de 'moderador' das iniciativas de Caracas
O setor de construção é um dos principais em disputa. Cinco grandes empreiteiras brasileiras, encabeçadas por Odebrecht e Camargo Correa, foram beneficiadas por uma ofensiva diplomática brasileira iniciada em 2005.
Neste período, consolidou-se o estabelecimento dessas empresas para a execução de obras de construção de infraestrutura e moradia na Venezuela.
O montante dos investimentos - que, em sua maioria, contam com financiamento do BNDES - é tratado com sigilo. Portela afirma que os construtores venezuelanos se sentem desprestigiados porque o governo não lhes deu participação nas obras de infraestrutura.
Para o diretor da Cavenbra, a pressão do setor sobre Capriles pode modificar a participação das empresas estrangeiras no ramo.
Outro alvo dos investidores brasileiros é a entrada de produtos da China na região, principalmente na área de manufaturados. "Agora que a Venezuela faz parte do Mercosul, não tem sentido que continue importando tantos manufaturados da China", diz Portela.
O comércio bilateral entre Brasil e Venezuela saltou de US$ 2,4 bilhões em 2005 para uma previsão de pouco mais de US$ 6 bilhões neste ano. O superávit brasileiro é de quase US$ 5 bilhões.
Alba e FarcOutro desafio para a política externa venezuelana será triangular a relação comercial do Mercosul com os interesses dos países da Alba (Alternativa Bolivariana paras as Américas), criada por Chávez e pelo líder cubano Fidel Castro.
Capriles advertiu que, se eleito, seu governo deixará de "presentear" o petróleo venezuelano como método para ampliar a influência da Venezuela na região.
Na Alba, os laços são baseados na troca de produtos e serviços. Caso emblemático é a relação com Cuba que estabelece o envio de petróleo à ilha em troca de assistência médica e profissional cubana.
No campo político, há especial preocupação da Colômbia. Após anos de crise durante o governo de Álvaro Uribe - inclusive com ameaça de agressão militar - a Venezuela foi convidada à participar como acompanhante, junto com Chile, na negociação de um acordo de paz entre o governo de Juan Manuel Santos e a guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
De acordo com um diplomata colombiano, Bogotá prefere a permanência de Chávez em Miraflores para evitar que uma crise interna no país "perturbe" as negociações com a guerrilha.
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